*Gilvander
Luís Moreira [1]
Dias
11 e 12 de maio último (2012), a Polícia Militar de Minas Gerais, com um
fortíssimo aparato repressor – mais de 400 policiais, com cavalaria, tanque de
guerra (caveirão), cachorros e muitas armas – despejaram 350 famílias sem-casa
e sem-terra da Ocupação Eliana Silva, no Barreiro, em Belo Horizonte, MG. O
povo resistiu 36 horas e, extenuado fisicamente, saiu do terreno, mas saiu de
cabeça erguida.
As
famílias comeram o pão que o diabo amassou após esse despejo. Muitas pessoas
tinham perdido emprego porque apostaram na Ocupação. Outras não puderam voltar
para os aluguéis de antes. Arranjaram-se novamente debaixo da cruz do aluguel, que
é um espinheiro, ou, se humilhando novamente, pediram guarida em casas de
parentes ou de amigos/as. Mas o povo não se dispersou. Semanalmente continuou
se reunindo. Pouco a pouco o trauma do despejo foi sendo elaborado
existencialmente. As lideranças do MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e
Favelas – sacudiram a poeira, avaliaram os acertos e os erros e, junto com as
famílias, tomaram a decisão de dar a volta por cima e retomar a luta.
Premidas
pela necessidade, algumas famílias sem-terra e sem-casa ocuparam nos últimos
dias um grande terreno abandonado há mais de 40 anos, ao lado da Vila Santa
Rita, no Barreiro, em Belo Horizonte. Sabendo dessa lenta ocupação, na
madrugada do dia 25 de agosto de 2012, mais de 300 famílias sem-casa, de forma
organizada, entraram também para dentro da mesma área.
A
polícia militar chegou ao raiar do dia e iniciou-se uma grande tensão que
rondou até o início da tarde. Houve risco de massacre. Advogados, lideranças e
apoiadores foram presos de forma ilegal, pelo simples motivo de estarem ali
apoiando os pobres que lutam pelos seus direitos. Um apoiador que tentou entrar
com uma caixa de pão para alimentar as crianças foi agredido e preso por
policiais. A caixa de pão foi jogada no chão. Muitos policiais agiram de forma
truculenta e arrogante. São calúnias as acusações que policiais colocaram no
Boletim de Ocorrência para justificar as prisões. Um conselheiro do Conselho
Estadual dos Direitos Humanos – CONEDH - e membro da Comissão Pastoral da Terra
foi agredido verbalmente e fisicamente por militares. Teve a calça rasgada e
saiu com escoriações no pescoço.
Um
capitão que estava comandando a operação nas primeiras horas revelou-se muito
nervoso e sem equilíbrio emocional, requisito imprescindível ao exercício de
autoridade nesses momentos de conflito. Não aceitou conversar com lideranças
que estavam lá tentando negociar e intermediar uma saída que fosse justa e
pacífica. Negou-se a atender ao telefone a Sub-defensora Geral da Defensoria Pública
do estado de Minas Gerais.
Foi
injusto também o grande aparato repressivo usado. Mais de 100 policiais (do
GATE, GEPAR, Tropa de choque etc), inclusive, helicóptero com vôos rasantes.
Congelamento da área. Muitas pessoas que queriam se solidarizar foram impedidas
de entrar na ocupação. Houve vários abusos de autoridade por parte de alguns
policiais. Infelizmente, o militarismo ainda está muito arraigado em
integrantes da polícia. É triste testemunhar o tanto que usam e abusam da
autoridade. Tornam-se autoritários e, assim, pisam na dignidade do povo pobre
que está ali lutando por direitos humanos, que são direitos sagrados. “Queremos apenas um pedacinho de terra para
construirmos uma casinha para a gente viver. Não queremos nenhuma mansão. Somos
humanos, não somos cachorros. Por que não podemos viver com dignidade?”,
cobrou dona Maria, uma indígena do povo Pataxó, que após ser expulsa por
latifundiários da terra do seu povo lá no Sul da Bahia, teve que tentar a vida
na grande cidade com sua família. Agora, ao lado de outros 26 parentes Pataxós participam
da nova Ocupação Eliana Silva.
É
principalmente a necessidade que anima os pobres para se unirem e ocupar
terrenos abandonados. É bom lembrarmos que o déficit habitacional em Belo
Horizonte está acima de 150 mil casas. O prefeito Márcio Lacerda não fez
nenhuma casa para famílias de zero a três salários-mínimos pelo Programa Minha
Casa Minha Vida. O Programa Vila Viva, que em grande parte é Vila Morta,
expulsa para a periferia da região metropolitana 40% das famílias que estão em
favelas onde o Programa se instala. As famílias reassentadas em apertamentos,
em “caixotes” conforme o povo diz, não agüenta ficar ali por vários anos. No 1º
dia de inscrição para o Programa Minha Casa Minha Vida, há 3,5 anos, 198 mil
famílias se cadastraram. A Prefeitura constrói, no máximo, mil casas por ano.
Assim, serão necessários quase 200 anos para zerar o déficit habitacional na
capital mineira.
É
bonito ver a organização interna da nova Ocupação Eliana Silva. O povo está
organizado em Núcleos e há muitas Comissões trabalhando: a) de Estrutura, b) de
Segurança, c) de Creche, d) de Limpeza, e) de Coordenação, f) de Cozinha, g) de
Doações, h) de Comunicação, i) de Apoio externo etc. “Somos uma só família”,
dizem todos.
Ao participar do soerguimento de Eliana Silva - Ocupação
Eliana Silva ressurgindo das cinzas -, retomando a luta, “metendo o pé no
barranco”, para transformar a sexta-feira da paixão, que foi o despejo dias 11
e 12 de maio último, em um domingo de ressurreição, com os olhos do coração, vi
cenas inesquecíveis: garra, coragem, união, solidariedade, audácia, entre as
quais, a descrita no depoimento de Paulo
Silvestrini, que transcrevo, abaixo.
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